Monday, August 13, 2012

Crescer


A gente sabe que a vida não é nada fácil. Não porque seu emprego está ruim, o salário é baixo ou o seu chefe pega no seu pé. Não porque aquele filme que você queria tanto assistir saiu de cartaz, porque os preços só aumentam ou porque os antibióticos te impedem de beber em um sábado. Não porque você se sente sozinho, meio feio e não tem ânimo para ir à academia. Não porque você está parado no trânsito, vive cansado e esqueceu a senha do cartão de crédito. Todas essas coisas são meras alegorias. São coisas as quais nos apegamos para não termos que encarar aquelas que realmente importam.
No fundo de cada reclamação cotidiana existe um mundo de pensamentos emaranhados que só se podem explicar através de “Isso é um saco!”, “Quero ir embora!”, “Puta que o pariu!”. São muitas as dificuldades da vida, mas é quase certo que a maior delas seja crescer. Essa coisa de crescer, além de complicada, é bastante controversa. Crescer é perturbador, desleal, desafiador e, o pior de tudo, crescer é ininterrupto. O crescimento entra pelos fundos da casa e segue correndo até o jardim da frente. Ele atravessa portas como um foguete, faz com que elas batam logo atrás, produzindo um barulho enorme e deixando muita coisa do lado que ficou.
Porém, muitas vezes, não estamos preparados para as portas que vêm a seguir e, por mais que forcemos as maçanetas, esmurremos com os punhos ou usemos um clipe para tentar entrar, acabamos vendo que as portas não são dadas a truques e batemos de cara. Isso dói e, como se não bastasse, o impacto faz com que a gente dê vários passos para trás. Então, de repente, sem mais nem menos, nos vemos ali, naquela sala que já é muito pequena, muito escura e muito fria para a gente. Uma sala hermética que deixou milhões de coisas atrás da última porta fechada e que não encontrou outras milhões de coisas na porta que não conseguiu ser aberta. Sentimos-nos presos, sem ar nos pulmões e temos a certeza de que não deveríamos estar onde estamos, que tudo deu errado e que aquela porta não se abria por culpa do chefe, do cartão de crédito, do salário que é pouco, da cerveja que não foi tomada, do dia que não nasceu ensolarado...
Enganamo-nos, pois, o fato é, e não há como esconder, que o passo ousado foi maior que as nossas pernas. Você é como a Alice gigante na terra de pequenos quando deve atravessar uma porta; É como a Alice pequena em terra de gigantes quando ainda não está preparado para a porta da frente. Se debater, gritar, reclamar? Nada disso adianta. O segredo é parar de olhar para a porta que te rejeitou e espiar o teto, que é de vidro e através do qual se pode ver o céu. O céu sim entende de crescimento, já que é infinito. 

Tuesday, August 07, 2012

O gosto do domingo

Para Art - Ele me convidou para sair e eu pensei duas vezes antes de aceitar. Para falar a verdade, ainda hoje acredito que aquele "sim" tenha tomado vida própria e pulado da minha boca. Meio oráculo aquele “sim”. Sem muita vontade, vesti uma roupa padrão para primeiros encontros, assim eleita para que eu não tivesse que me preocupar com esse tipo de coisa depois de um dia cansativo de trabalho. Jeans acompanhados de uma blusa de tecido mais fino. Algo com um decote discreto, mas perceptível se olhado de perfil. Não gosto de salto alto, mas usei uma maquiagem leve nos olhos para parecer mais bonita. Seguindo o ritual, passei um pouco de perfume no colo e nuca. Naquele dia, eu sentia uma dor de cabeça horrível. Não comia desde o almoço, chovia muito e ele já estava atrasado uns vinte minutos ou mais. “Eu deveria ter dito ‘não’”. O toque do celular interrompe o raciocínio. Ele telefonou para dizer que estava chegando e que eu podia descer. Na porta do prédio, ele me esperava do lado de fora do carro segurando um guarda-chuva. Eu me lembro de termos feito alguma piada a respeito.
Ele me levou em um restaurante alemão e pedimos uma cerveja importada. Mesmo depois de comermos, eu ainda podia sentir minha cabeça doendo. Por isso, dei corda para que ele contasse tudo sobre seu trabalho e amigos, sua vida e seus planos, sua rotina e família. Além da dor, havia o fato de eu não estar nem um pouco a fim de falar de mim. Estava tudo uma droga e eu não queria destilar frases do tipo “eu não sei o que fazer da minha vida”, “estou de saco cheio de existir” ou “está dando tudo errado” para uma pessoa que mal me conhecia. Sei lá. Às vezes não é legal demonstrar loucura, desespero e frustração. Essas coisas negativas podem ser dissipadas em comentários interessantes, afinidades musicais e banhos tomados a dois. Naquele momento, eu não podia oferecer muito e de forma intuitiva ouvi bem mais que falei. Mas ele roubou um beijo meu na área de fumantes do restaurante, colocou a mão no meu bolso para guardar o isqueiro e eu pensei que era muito cedo para toda aquela intimidade. Eu gostei. Sem muitos porquês ou poréns, eu comecei a me sentir feliz ao lado dele.
Daquele dezembro até o janeiro seguinte, nos encontrávamos todos os finais de tarde. Encontros despretensiosos marcados na esquina entre meu trabalho e a casa dele. De mãos dadas, perambulávamos pelas ruas a procura de cafés onde pudéssemos esperar o tempo passar e o trânsito melhorar um pouco. Nos finais de semana, íamos para algum bar e conhecíamos as pessoas da vida um do outro e, pouco a pouco, eu via que estávamos construindo momentos e lembranças comuns.  Suas férias acabaram. Ele teve que ir embora e ficamos assim. Ele vai, mas sempre volta. Sempre chega em uma madrugada de sexta-feira, pára o carro em frente ao meu prédio e telefona pedindo para que eu abra o portão. Ao vê-lo, o agarro pelos braços e fico ali por um tempo enquanto nos beijarmos, sempre com saudades. Vamos para o meu quarto e só saímos de lá no dia seguinte. Eu acordo antes, preparo um sanduíche e faço um café. Minhas habilidades domésticas são mais precárias que as dele e por isso não há nada de cênico nisso. Mas há algo no modo como olhamos um para o outro às vezes, no sem medo com o qual nos encaramos e na naturalidade das nossas brincadeiras que nos leva a fazer fotografias mentais de acontecimentos corriqueiros e em nada inéditos. Um pouco de tensão romântica e uma  crueldade suave acompanham o passar dos dias.
Passamos o dia sob o efeito da distância das semanas anteriores. Tardes passadas com a família, com os nossos amigos, a sós. Sobremesas fora de hora, copos e copos de cerveja, alguns cigarros e nossos gostos na boca um do outro. Tudo isso se encerra na tarde de domingo quando ele passará na minha casa para nos despedirmos. Eu acordo sem pressa, tomo um banho longo, visto um vestido de malha leve e o espero chegar. Nos abraçamos e, depois de me dar o último beijo, ele diz “você está com gosto de domingo”. E passo o resto do dia pensando em como eu queria que ele sempre sentisse o gosto do domingo em mim.