Wednesday, February 26, 2014





Chamam de moringa
Aquela jarra acompanhada de um copo
Que repousa sobre a cabeceira
Ao nosso lado todas as noites
A completo com água fresca
Para o caso da garganta pedir
Pela madrugada quente
Derretidos e sonhadores
Evitamos nos tocar
Chamam de moringa
Aquela jarra
Que repousa ao nosso lado
Todas as noites
Eu a chamo testemunha
Ontem de batalhas travadas em nossa cama
Hoje
Testemunha das brigas
Confissões e intrigas
Da minha dor

E da sua partida.

Wednesday, August 07, 2013

Ilha

Eu poderia existir daquela maneira também

Pede, insiste, ordena

Reclusa na obrigação da obediência, estaria condenada à felicidade

Deixaria de lado a beleza e o certo

Tudo o que me aprisiona nessa ilha de ficção

Lugar isolado onde me encontro e do qual não consigo sair

Mesmo com suas tão belas coisas, a ilha

Suas cores acolhedoras e uma paz silenciosa

Que causam inveja aos enredados na balbúrdia urbana

Mesmo sendo tão bela, a ilha, não furto-me da contemplação do mar à sua volta

O azul infinito que não tenho e que não posso ter

O mesmo mar que convida, é o que mata

Assustador fim de mundo sem fim e que, mesmo assim, chama-me em sonhos e sons

Um convite à bagunça de suas ondas e à falta de ar de sua imensidão

Braçadas intermináveis que me farão desejar mortalmente o desaguar em novas terras

Desejar a sorte e a certeza da terra firme, tal como outrora eu quis

E se sei que tudo será como antes, por que me deixo embebedar por seu chamado?

Pode ser, talvez, que a vida se faça enfim muito menos na inocência ingênua do conforto

Chame-me mais alto e sopre o vento a seu favor

Até que eu não possa mais dizer não

Até que este não não caiba mais em minha boca.





Espero

E eu que, nas feiura das minhas vontades, espero resposta sua

Espero, mesmo sabendo que ela não vem e que, caso venha, irá doer

Espero porque te espero

E te espero porque não esqueço

Sua voz é lembrada como apelo

E apelo ao que não vivi para continuar vivendo

Longe ou perto jamais terei você

Se tivesse, não seria

Se não fosse, eu não queria

Porque você é bem mais bonito visto daqui

Do alto de uma lembrança suja

Que se suja na beleza

E é jogada no lixo com a verdade


Teus olhos

Águas claras são teus olhos


Na transparência de sua alma

E na profundidade de sua inocência

Mil homens se afogaram

Pois perdidos se atiraram




Águas turvas são teus olhos


E nelas ninguém pode se equilibrar

Vem e vão amantes incertos

E caem desatentos

São dali levados pelo vento



Águas cegas são teus olhos


Errantes, erradas

Se deixam enganar e se punem

Fogem da maré alta

Derrubam barcos e copos




Águas frias são teus olhos


Recebem calor e nada dão em troca

Deixam que vaguem à vontade

Verdades de gelo

À deriva de tua saudade




Thursday, August 01, 2013

Agosto

No mês dos meus 25...


Sou a ansiedade e o desconforto da espera da minha mãe e o primeiro olhar do meu pai

Sou meus primeiros passos, sou um pouco minha irmã e sou a dor das perdas

Sou a infância e a bicicleta, os patins e a saia plissada vermelha daquele uniforme escolar


Sou as mudanças, as brigas, as noites sem dormir

Fotos perdidas, caixas guardadas e dias na praia

Sou eu crescendo e me escondendo, gritando e batendo portas, chorando e desentendendo

Sou minhas músicas preferidas, os filmes que nunca esqueci e minha sensibilidade florescendo

Caminhadas no frio, coturnos surrados e melancolia


Esta sou eu.


Sou quem foi embora, as descobertas e o me perder

Sou solidão.

Indecisões, incertezas e medos

Vontades, desejos, saudades

Sou o acordar preguiçoso, o Sol que bate nas minhas pernas cruzadas e a fumaça do cigarro que eu fumo

Beijos insensatos, abraços medrosos e cheiros que não esqueço



Sou sonho e toda uma vida que se vive amanhã

Sou tudo o que eu quis ser e não fui



Eu não tenho lembranças.
São elas que têm a mim. 


Wednesday, October 10, 2012

Véspera das minhas férias. Férias que eu passarei a estudar, todo dia o dia todo. Mais uma vez, uma fase nebulosa se apresenta para mim. Não sei o que vai acontecer, onde ou com quem estarei. Estranho medo das possibilidades. Será que estou no lugar certo? Será que não sou muito jovem para tanta seriedade? Será que não sou muito velha para tantos sonhos? 
Só sei que ainda quero poder sair de casa vestindo moletom e all star, sair de inferninhos e me deparar com a luz do dia, chorar baixinho encolhida na minha cama de solteiro sem que ninguém me ache. 
Será que eu posso?

poeminha de sexta-feira

Com sua chegada anunciada

Amanheço aflita e atrapalhada

Noite mal dormida

Noite sonhando acordada

Quero te ver na porta de entrada


E no meio da madrugada

Vejo você chegar

Muito abraçada e beijada

Vou de um cochilo despertar


Então passaremos os dias

Com a maior das alegrias

Que é estar ao lado de alguém

Que só te faz o bem


Monday, August 13, 2012

Crescer


A gente sabe que a vida não é nada fácil. Não porque seu emprego está ruim, o salário é baixo ou o seu chefe pega no seu pé. Não porque aquele filme que você queria tanto assistir saiu de cartaz, porque os preços só aumentam ou porque os antibióticos te impedem de beber em um sábado. Não porque você se sente sozinho, meio feio e não tem ânimo para ir à academia. Não porque você está parado no trânsito, vive cansado e esqueceu a senha do cartão de crédito. Todas essas coisas são meras alegorias. São coisas as quais nos apegamos para não termos que encarar aquelas que realmente importam.
No fundo de cada reclamação cotidiana existe um mundo de pensamentos emaranhados que só se podem explicar através de “Isso é um saco!”, “Quero ir embora!”, “Puta que o pariu!”. São muitas as dificuldades da vida, mas é quase certo que a maior delas seja crescer. Essa coisa de crescer, além de complicada, é bastante controversa. Crescer é perturbador, desleal, desafiador e, o pior de tudo, crescer é ininterrupto. O crescimento entra pelos fundos da casa e segue correndo até o jardim da frente. Ele atravessa portas como um foguete, faz com que elas batam logo atrás, produzindo um barulho enorme e deixando muita coisa do lado que ficou.
Porém, muitas vezes, não estamos preparados para as portas que vêm a seguir e, por mais que forcemos as maçanetas, esmurremos com os punhos ou usemos um clipe para tentar entrar, acabamos vendo que as portas não são dadas a truques e batemos de cara. Isso dói e, como se não bastasse, o impacto faz com que a gente dê vários passos para trás. Então, de repente, sem mais nem menos, nos vemos ali, naquela sala que já é muito pequena, muito escura e muito fria para a gente. Uma sala hermética que deixou milhões de coisas atrás da última porta fechada e que não encontrou outras milhões de coisas na porta que não conseguiu ser aberta. Sentimos-nos presos, sem ar nos pulmões e temos a certeza de que não deveríamos estar onde estamos, que tudo deu errado e que aquela porta não se abria por culpa do chefe, do cartão de crédito, do salário que é pouco, da cerveja que não foi tomada, do dia que não nasceu ensolarado...
Enganamo-nos, pois, o fato é, e não há como esconder, que o passo ousado foi maior que as nossas pernas. Você é como a Alice gigante na terra de pequenos quando deve atravessar uma porta; É como a Alice pequena em terra de gigantes quando ainda não está preparado para a porta da frente. Se debater, gritar, reclamar? Nada disso adianta. O segredo é parar de olhar para a porta que te rejeitou e espiar o teto, que é de vidro e através do qual se pode ver o céu. O céu sim entende de crescimento, já que é infinito. 

Tuesday, August 07, 2012

O gosto do domingo

Para Art - Ele me convidou para sair e eu pensei duas vezes antes de aceitar. Para falar a verdade, ainda hoje acredito que aquele "sim" tenha tomado vida própria e pulado da minha boca. Meio oráculo aquele “sim”. Sem muita vontade, vesti uma roupa padrão para primeiros encontros, assim eleita para que eu não tivesse que me preocupar com esse tipo de coisa depois de um dia cansativo de trabalho. Jeans acompanhados de uma blusa de tecido mais fino. Algo com um decote discreto, mas perceptível se olhado de perfil. Não gosto de salto alto, mas usei uma maquiagem leve nos olhos para parecer mais bonita. Seguindo o ritual, passei um pouco de perfume no colo e nuca. Naquele dia, eu sentia uma dor de cabeça horrível. Não comia desde o almoço, chovia muito e ele já estava atrasado uns vinte minutos ou mais. “Eu deveria ter dito ‘não’”. O toque do celular interrompe o raciocínio. Ele telefonou para dizer que estava chegando e que eu podia descer. Na porta do prédio, ele me esperava do lado de fora do carro segurando um guarda-chuva. Eu me lembro de termos feito alguma piada a respeito.
Ele me levou em um restaurante alemão e pedimos uma cerveja importada. Mesmo depois de comermos, eu ainda podia sentir minha cabeça doendo. Por isso, dei corda para que ele contasse tudo sobre seu trabalho e amigos, sua vida e seus planos, sua rotina e família. Além da dor, havia o fato de eu não estar nem um pouco a fim de falar de mim. Estava tudo uma droga e eu não queria destilar frases do tipo “eu não sei o que fazer da minha vida”, “estou de saco cheio de existir” ou “está dando tudo errado” para uma pessoa que mal me conhecia. Sei lá. Às vezes não é legal demonstrar loucura, desespero e frustração. Essas coisas negativas podem ser dissipadas em comentários interessantes, afinidades musicais e banhos tomados a dois. Naquele momento, eu não podia oferecer muito e de forma intuitiva ouvi bem mais que falei. Mas ele roubou um beijo meu na área de fumantes do restaurante, colocou a mão no meu bolso para guardar o isqueiro e eu pensei que era muito cedo para toda aquela intimidade. Eu gostei. Sem muitos porquês ou poréns, eu comecei a me sentir feliz ao lado dele.
Daquele dezembro até o janeiro seguinte, nos encontrávamos todos os finais de tarde. Encontros despretensiosos marcados na esquina entre meu trabalho e a casa dele. De mãos dadas, perambulávamos pelas ruas a procura de cafés onde pudéssemos esperar o tempo passar e o trânsito melhorar um pouco. Nos finais de semana, íamos para algum bar e conhecíamos as pessoas da vida um do outro e, pouco a pouco, eu via que estávamos construindo momentos e lembranças comuns.  Suas férias acabaram. Ele teve que ir embora e ficamos assim. Ele vai, mas sempre volta. Sempre chega em uma madrugada de sexta-feira, pára o carro em frente ao meu prédio e telefona pedindo para que eu abra o portão. Ao vê-lo, o agarro pelos braços e fico ali por um tempo enquanto nos beijarmos, sempre com saudades. Vamos para o meu quarto e só saímos de lá no dia seguinte. Eu acordo antes, preparo um sanduíche e faço um café. Minhas habilidades domésticas são mais precárias que as dele e por isso não há nada de cênico nisso. Mas há algo no modo como olhamos um para o outro às vezes, no sem medo com o qual nos encaramos e na naturalidade das nossas brincadeiras que nos leva a fazer fotografias mentais de acontecimentos corriqueiros e em nada inéditos. Um pouco de tensão romântica e uma  crueldade suave acompanham o passar dos dias.
Passamos o dia sob o efeito da distância das semanas anteriores. Tardes passadas com a família, com os nossos amigos, a sós. Sobremesas fora de hora, copos e copos de cerveja, alguns cigarros e nossos gostos na boca um do outro. Tudo isso se encerra na tarde de domingo quando ele passará na minha casa para nos despedirmos. Eu acordo sem pressa, tomo um banho longo, visto um vestido de malha leve e o espero chegar. Nos abraçamos e, depois de me dar o último beijo, ele diz “você está com gosto de domingo”. E passo o resto do dia pensando em como eu queria que ele sempre sentisse o gosto do domingo em mim.

Wednesday, July 25, 2012


Faz um ano que ela veio morar comigo. Para comemorar, reservei mesa em um restaurante caro e tomei cuidado para que o lugar fosse ao ar livre, porque a Marina fuma e odeia ter que se levantar para fazer isso. Um bom vinho e um menu refinado, uma música neutra ao fundo e nós dois fazendo piadas sobre tudo aquilo, sobre como os vovôs e vovós nos olhavam por cima, invejando toda aquela juventude e sexualidade ostensivas. Terminaríamos em um motel, para quebrar a rotina, e só no dia seguinte, já em casa, é que tudo voltaria ao normal.  
Passei em uma loja e comprei um casaquinho de lã azul. Marina sempre procura presentes para as amigas naquele lugar. As vendedoras a conhecem e eu não tive que escolher nada. É bem mais fácil agradar assim. Depois, pão de forma, cerveja e refrigerante na padaria. Quis uma cerveja importada, algo que desse o tom da data.
Cheguei em casa às oito da noite e foi impossível não reparar a bagunça. Eu nunca fui um sujeito lunático por limpeza e organização, mas a displicência adolescente da Marina vinha me irritando. A pia jamais estava vazia e era impossível andar pelo apartamento sem que um par de chinelos fosse visto. Camas desarrumadas e toalhas penduradas na cadeira do quarto. Eu tento fazer a minha parte, porque não sou, e juro isto, não sou o tipo machista que prefere ver tudo explodir a arrumar suas coisas. Eu lavo a louça suja quando chego do trabalho e junto as roupas dela no guarda-roupa. Não arrumo a cama porque quando saio de manhã ela ainda está dormindo. E é assim que as coisas são. Nada grave. Um pouco de bagunça não pode afetar em nada a minha vida e muito menos o meu amor.
 Então eu estou em casa e guardo a sacola do presente dentro da minha parte do armário. Dou uma geral, recolho as coisas fora do lugar, lavo uns copos e parto para o banho. Visto uma camiseta que ganhei da Marina, uma calça jeans e um tênis. Passo um perfume e sento no sofá. Vou esperá-la lendo um pouco e já tenho uma cerveja no meu copo. É preciso dizer que este momento, a cena perfeita daquele cara bem arrumado e sentado com tranqüilidade em seu sofá, foi bastante calculado. Eu sabia exatamente a cronologia dos fatos ao entrar em casa e, para que tudo desse certo, conforme meus planos, ela deveria chegar em uma hora.
Eu tenho sido engolido pela rotina. Hoje eu olho para trás, olho para os meus vinte e poucos anos, e recordo o quanto desejei estar onde estou. Tudo o que eu queria quando saí da faculdade era um pouco de estabilidade e tempo para fazer as coisas que gosto. Alguma grana para sair da casa dos meus pais e viajar nas férias. Não sinto vergonha em dizer que sou um cara mediano, porque a minha maior ambição sempre foi ter algo parecido com o que tenho agora: um apartamento financiado, um carro financiado, CDs e videogames a serem pagos no cartão de crédito e uma namorada para dividir a cama.
Mas havia alguma coisa diferente. Me encontro, e isso é um fato, um pouco entediado. Não há grandes problemas, transtornos ou preocupações existenciais. Ando meio morto, de modo que aquele dia preenchera meu tempo e esvaziara meu tédio. O que eu deveria fazer, dizia a minha mãe, era estudar para uma prova que me desse um emprego melhor ou, quem sabe, fazer outra faculdade. Mas me falta energia para isso e a verdade é que estou acomodado e apático. Além disso, estamos esperando que a Marina se forme para que possamos dar mais um passo. Não, não somos do tipo que casa. Somos do tipo que mora junto, que finge não ligar para um monte de coisas que, no fundo, ligamos e muito. Não queremos filhos agora e cogitamos a possibilidade de trocá-los por um casal de Golden Retriever. Sonhamos em passar um tempo em Londres e temos planos de morar em uma casa longe da cidade.
Eu troco Ian McEwan por uma edição da Superinteressante. Leio uma matéria que fala algo já batido a respeito do Nazismo e isso me distrai bastante. Sinto vontade de acender um cigarro, mas resisto, já que parei há dois meses e tenho me sentido muito bem com isso. Olho para o relógio: nove e vinte. A Marina deve estar chegando. Continuo lendo a revista, abro mais uma garrafa de cerveja e coloco um disco da Nina Simone.
Eu acordo assustado e desajeitado no sofá. O coração disparado como o de um garoto que se atrasou para a prova do vestibular. Olho para o relógio na parede. Dez e quinze. Automaticamente pego o celular e vejo uma mensagem dela: “Tem um aniversário aqui hoje. Vou ficar um pouco depois da aula, mas chego cedo. Bjs!”. Releio mais duas vezes e não acredito que ela esqueceu nosso dia. Xingo em voz alta, levo as mãos ao rosto, esfregando os olhos sem parar, e depois para a cabeça lançando meus cabelos para trás. Estou um pouco suado, e não sei se é de raiva ou de calor.
Pela primeira vez em quatro anos ela estava sendo relapsa em relação a nós dois e isso deveria querer dizer alguma coisa. É verdade que tudo mudou muito desde que ela veio morar comigo. Antes, quando a Marina morava com os pais, sua imagem tinha um abrigo inocente e cândido. Mas, aos poucos, fui notando que ela não era só aquilo. Ela não era só uma universitária protegida e de bons modos. Marina tem vida própria e sabe caminhar entre a doçura e o escárnio com proeza. Uma hora está debruçada em livros ou deitada no meu colo, produzindo barulhos que adoro no final de cada palavra, como se fosse um animal filhote. Outra hora está na mesa de um bar fumando e bebendo mais que eu, enquanto destila opiniões radicais a respeito de política ou arte. Sempre um pouco pedante, eu sei, mas sempre linda e definitiva. Marina é definitiva.
Quando os pais dela tiveram que voltar para o interior não pensamos duas vezes. Já estávamos namorando fazia tempo e eles não são do tipo conservador. Eu já tinha meu apartamento e tudo mais. Aquilo fazia sentido. E foi assim que aprendi a dividir tudo com ela. Aprendi a gostar da péssima macarronada que ela faz e a tolerar sua bagunça. Aprendi a ter portas batendo na minha cara e a ouvir acusações na mesa do café da manhã uma vez por mês. Aprendi que existem pessoas com mais de vinte anos que não abrem mão de um copo de Nescau e um misto quente. Aprendi a cuidar dela quando está com febre, a deixar que ela cuide de mim e a vê-la desleixada no final dos semestres.
Mas ela não estava lá. Um ano para comemorarmos e ela não estava lá. Listei mentalmente todos os seus amigos de faculdade tentando elucidar se ela poderia estar me traindo. Eu já fui um cara mais seguro. Não, eu nunca saí com as meninas mais bonitas da escola ou da faculdade, mas dificilmente eu levava um “não”. Eu sabia onde jogar. Sabia até onde eu podia ir. Era mais ou menos como só fazer um prova quando se tem certeza, por uma razão ou por outra, que você vai passar. E eu não me sinto mal com isso e acho uma babaquice o desafio pelo desafio. Ser um homem consciente de suas limitações me faz feliz. Mas eu tenho a Marina. Ela está longe de ser perfeita, mas é minha.
 Andei de um lado para o outro, bebendo rápido o que restava da cerveja e até acendi um cigarro. Eu estava puto, com medo e angustiado. Mesmo assim, não telefonei e não respondi aquela mensagem. Eu aguardaria as chegada friamente como alguém que tem a razão, de si e das coisas, nas mãos.
São onze da noite e ela entra em casa com as bochechas vermelhas de quem bebeu e um cheiro de rua que contrasta com a limpeza da casa. Ela olha para mim, sentado no sofá com uma expressão certamente condenatória, e sorri complacente.
- Você fumou? – pergunta, enquanto olha para o cinzeiro sujo na mesa de centro, encostado em um livro vermelho de capa dura sobre Gaudí. Eu ignoraria aquela pergunta.
- Você sabe que dia é hoje? – eu estava falando coisas que eu imaginei que nunca iria dizer. Eu era um imbecil.
- Quinta? O que está acontecendo?
- Um ano, Marina. Dia 14.
- Nossa. – desceu de seu pedestal, nitidamente envergonhada, e sentou-se ao meu lado no sofá branco de couro sintético. – Eu não lembrei. Me desculpa, mas por que você não disse nada?
         Resolvi que uma discussão não nos levaria a lugar algum e muito menos traria a reserva da mesa de volta. Deixei que ela me abraçasse e a beijei com pouca vontade. Aceitei suas desculpas e ri quando ela começou a fazer piadas a respeito da situação, atitude típica de quando quer desviar-se da culpa.
- Então eu vou tomar um banho e me arrumar como se fôssemos sair. Enquanto isso você pede uma pizza e abre o vinho que tivermos. Vamos fingir que estamos no restaurante e, depois, que estamos no motel.
         Na manhã seguinte, eu acordo atrasado e não tomo café e nem leio a parte de esportes do jornal. Tomo um banho apressado para tirar aquele suor engordurado e visto a roupa típica de um funcionário público. Me olho no espelho e confirmo a cara de babaca que toma conta de mim todos os dias, de segunda à sexta, das nove da manhã às seis da tarde. Lembro da noite anterior e me sinto bem melhor. Olho para Marina uma última vez. Com afeto, observo sua perna saindo dos lençóis, o braço fininho abraçando o travesseiro e o rosto escondido atrás dos cabelos embaraçados. Coloco a sacola do presente no pé da cama e saio.