Monday, April 23, 2012


Ele entrou em casa como um foguete me procurando por todos os cômodos até me encontrar arrumando o armário do segundo quarto. Parou na trave da porta, parou sorrindo, e me disse: “Consegui o Doutorado”! Nos abraçamos, ele me ergueu do chão, ele me beijou com tanta vontade que machucou meus lábios e dentes e me levou até o nosso quarto sem deixar que houvesse hiato entre nós dois. Durante tudo o que fizemos, me senti extremamente culpada, embora não soubesse o porquê, e, depois, descobri que o fato é que aquela notícia era péssima. Não, não era péssima para ele. Era a melhor notícia em termos profissionais desde que nos conhecemos. Era péssima para mim.

A possibilidade do plano de outra pessoa se sobrepor aos meus e interferir no rumo que dou à minha vida, doeu-me instantaneamente. Acho até que não consegui disfarçar muito bem o enjôo que senti com aquilo, mas ele fingiu que não percebeu. Estava certo. Nenhuma mulher tinha o direito de tirar aquela sensação pela qual esperava há tanto tempo. Fui do quarto ao banheiro me arrastando, me olhei no espelho como alguém que estava condenado a viver a felicidade do outro, e a possivelmente jamais encontrar a sua. Não sabia bem se era aquilo, mas foi a explicação que pude dar na hora. De todo jeito, eu estava sendo uma filha da puta.

Não era a primeira vez que meu egoísmo tomava conta de tudo, devo confessar. Sempre me preocupei com minhas vontades e elas sempre foram o limite da minha bondade. Ignoro as construções maniqueístas, a não ser que estejam ao meu favor o que, em geral, só acontece de forma pontual. Mas a coisa com ele era diferente. Eu gostava dele de verdade e desejava sua felicidade intensamente. Tinha prazer em cuidar e em resolver os problemas do dia-a-dia, em tomar café ao seu lado e em dividir as cobranças da minha família com a paciência dele. Eu gostava. Essa era a certeza que fez com que fôssemos morar no mesmo apartamento e que estivéssemos juntos há quatro anos. Essa era a diferença entre ele e os outros. Era a diferença de nós dois.

Então quando eu senti aquilo, aquela sujeira emocional, eu me odiei. E o odiei também por ter abalado nossas vidas. Estava tudo no lugar: mobília, cheiro do café de manhã, nossa bagunça, almoços de domingo, nossos livros misturados e uma rotina odiosamente deliciosa da qual eu adorava reclamar. E agora eu teria que escolher entre a solidão e a apatia. Era muito para mim.

Ligar o chuveiro foi como um estalo. Está tudo errado! As coisas não são bem assim. Nós planejamos e nós lutamos por isso. Noites debruçado sob uma infinidade de papéis, ausências, sonhos. Nós desejamos essa admissão e colocamos a possibilidade dela acontecer em nossas viagens acordados. O que estava acontecendo então? Será que, no fundo, eu simplesmente não acreditava na capacidade dele? Que merda de namorada que eu sou.

A água do banho ia descendo acompanhada do meu choro. Eu me resignei a parar de pensar aquelas besteiras, porque, afinal, eu nem estava tão bem empregada assim. Mas poderia haver uma promoção. Cala a boca. Eu ia deixar as coisas seguirem durante a semana e pensar nisso tudo depois. Depois de amanhã, depois de um cigarro, depois de morrer. Eu decido depois. Torci a torneira, me sequei de qualquer jeito e abri a porta. Trocamos um olhar e foi como se eu ficasse surda para mil vozes: Iríamos juntos. 

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