Ele entrou em casa como um foguete me
procurando por todos os cômodos até me encontrar arrumando o armário do segundo
quarto. Parou na trave da porta, parou sorrindo, e me disse: “Consegui o
Doutorado”! Nos abraçamos, ele me ergueu do chão, ele me beijou com tanta
vontade que machucou meus lábios e dentes e me levou até o nosso quarto sem
deixar que houvesse hiato entre nós dois. Durante tudo o que fizemos, me senti
extremamente culpada, embora não soubesse o porquê, e, depois, descobri que o
fato é que aquela notícia era péssima. Não, não era péssima para ele. Era a
melhor notícia em termos profissionais desde que nos conhecemos. Era péssima
para mim.
A possibilidade do plano de outra
pessoa se sobrepor aos meus e interferir no rumo que dou à minha vida, doeu-me
instantaneamente. Acho até que não consegui disfarçar muito bem o enjôo que
senti com aquilo, mas ele fingiu que não percebeu. Estava certo. Nenhuma mulher
tinha o direito de tirar aquela sensação pela qual esperava há tanto tempo. Fui
do quarto ao banheiro me arrastando, me olhei no espelho como alguém que estava
condenado a viver a felicidade do outro, e a possivelmente jamais encontrar a
sua. Não sabia bem se era aquilo, mas foi a explicação que pude dar na hora. De
todo jeito, eu estava sendo uma filha da puta.
Não era a primeira vez que meu egoísmo
tomava conta de tudo, devo confessar. Sempre me preocupei com minhas vontades e
elas sempre foram o limite da minha bondade. Ignoro as construções
maniqueístas, a não ser que estejam ao meu favor o que, em geral, só acontece
de forma pontual. Mas a coisa com ele era diferente. Eu gostava dele de verdade
e desejava sua felicidade intensamente. Tinha prazer em cuidar e em resolver os
problemas do dia-a-dia, em tomar café ao seu lado e em dividir as cobranças da
minha família com a paciência dele. Eu gostava. Essa era a certeza que fez com
que fôssemos morar no mesmo apartamento e que estivéssemos juntos há quatro
anos. Essa era a diferença entre ele e os outros. Era a diferença de nós dois.
Então quando eu senti aquilo, aquela
sujeira emocional, eu me odiei. E o odiei também por ter abalado nossas vidas.
Estava tudo no lugar: mobília, cheiro do café de manhã, nossa bagunça, almoços
de domingo, nossos livros misturados e uma rotina odiosamente deliciosa da qual
eu adorava reclamar. E agora eu teria que escolher entre a solidão e a apatia. Era
muito para mim.
Ligar o chuveiro foi como um estalo.
Está tudo errado! As coisas não são bem assim. Nós planejamos e nós lutamos por
isso. Noites debruçado sob uma infinidade de papéis, ausências, sonhos. Nós
desejamos essa admissão e colocamos a possibilidade dela acontecer em nossas
viagens acordados. O que estava acontecendo então? Será que, no fundo, eu
simplesmente não acreditava na capacidade dele? Que merda de namorada que eu
sou.
A água do banho ia descendo
acompanhada do meu choro. Eu me resignei a parar de pensar aquelas besteiras,
porque, afinal, eu nem estava tão bem empregada assim. Mas poderia haver uma
promoção. Cala a boca. Eu ia deixar as coisas seguirem durante a semana e
pensar nisso tudo depois. Depois de amanhã, depois de um cigarro, depois de
morrer. Eu decido depois. Torci a torneira, me sequei de qualquer jeito e abri
a porta. Trocamos um olhar e foi como se eu ficasse surda para mil vozes:
Iríamos juntos.
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